Pela fresta das janelas…

“De perto, ninguém é normal.” Já nos diz Caetano em ‘Vaca Profana’. De longe, tampouco… Se é que há normalidade. O que seria ela? E quem por ela anda a buscar? Os poetas, certamente, não. Leminski, menos ainda… Da expansão da palavra. Da transgressão dos significados. Das múltiplas perspectivas de um menino. Assim, foi que acompanhamos esta edição da Flip: de longe. Desejosos da presença. Da energia. Da troca. Da festa. Da vida que pulsa no caminhar sobre as pedras da cidade que se rende às musas uma vez por ano para celebrar os sentidos. 

Sentidos que se expandem na Paraty que carrega alguns traços de normalidade, que o extraordinário da literatura é capaz de conter, para além da sublime, abstrata, indelével construção que só a escrita dá conta de trazer ao mundo.  A distância da festa nos fez buscar sua intensidade pelos olhos de Leminski, com os óculos do Arnaldo, pelas lentes da Alice, com os filtros da Marília, através das janelas do Fabrício. Mergulhamos nas obras e encontramos a festa. E trouxemos parte dela para vocês, com a nossa seleção de frases de vários autores que estiveram por lá. Vem com a gente frasear? 

Paulo Leminski: o homenageado que reinventou o verbo

Na edição que celebrou o legado de Leminski, sua poesia tornou-se ponto de partida e inspiração para diversos debates. O poeta que via infinito no ordinário trouxe às mesas de discussão um olhar múltiplo, desconstruindo regras e reinventando significados. Seu verso não só rompeu barreiras linguísticas, mas explodiu em sensações, convidando-nos a olhar o mundo com lentes mais poéticas.

Como o próprio Leminski dizia, “Em poesia, muitos caminhos não levam a lugar nenhum.” Talvez seja exatamente esse o segredo que fez desta Flip uma edição tão marcante: o permitir-se perder-se nas frestas, nas entrelinhas, deixando que o verbo guiasse as jornadas.

A Flip como palco de diversidade e resistência

Ela não é tão inclusiva quanto gostaríamos, mas poucos eventos conseguem unir tantos olhares e temas em um único espaço como a Flip. Este ano, a pluralidade foi mais forte do que nunca, com autoras e autores de diferentes campos trazendo à tona a urgência de discutir liberdade, desigualdade e a história que nos atravessa. As mesas da Flip não apenas emocionaram, mas também confrontaram. Foram momentos para escutar, refletir e repensar a sociedade, mostrando que as letras podem ser confrontadoras sem perder sua sensibilidade. E o que nos dizem elas, as letras? Vamos conferir? 

 

“preparem-se sofredores do mundo, o tempo não é linear.”

Valter Hugo Mãe

a máquina de fazer espanhóis, p 118

 

“As cores se transformam quando se encostam. Laranja, rosa, cor-de-laranja, cor-de-rosa. Amanhecer.” 

Arnaldo Antunes

As coisas, p 17

 

“buscam mentalmente | mesmo sem perceber | a rota de fuga” 

Lilian Sais 

Motivos para cavar a terra, p 11

 

“sou dos que vivem como se nada tivesse acontecido”

Fabrício Corsaletti

Esquimó, Kindle 70

 

“não sou dos que vivem como se nada tivesse acontecido”

Fabrício Corsaletti

Esquimó, Kindle 75

 

“hoje não é nada mais nada menos que essas cordas ligando o que deixamos de ser e o que jamais seremos”

Tarso de Melo 

Poemas 1999-2014, Kindle 70 

 

“é mais fácil imaginar uma mulher morta do que uma mulher que mata.”

Alia Trabucco Zerán

As homicidas, p 4

 

“O pau quebrando lá fora e eu, encantada.”

Lilia Guerra

Perifobia, p 5

 

“Contando os coletes salva-vidas, concluí que era pleno risco, não tinha o suficiente.”

Monique Malcher

Flor de Gume, p 9

 

“[…] seu nome causava alegria tanto quanto sua presença intimidava” 

Sandro Veronesi 

Setembro negro, p 20

 

“O sol fazia os prédios tremularem no horizonte.”

Pedro Guerra

O maior ser humano vivo, p 8

 

“Digo, com um cinismo frio, que minha identidade carrega muitos cadáveres.”

Gaël Faye

Meu Pequeno País, p 8

 

“rede ao vento | se torce de saudade | sem você dentro” 

Alice Ruiz S

Desorientais, p 13 

 

“Pro teu amor, só o silêncio.”

Claudia Roquette

A extração dos dias, p 10

 

“não sabemos o que fazer quando tudo parece a ponto de desabar”

Marília Garcia

Parque das ruínas, p 17

 

“[…] não há história do Brasil sem o racismo.”

Ynaê Lopes dos Santos

Racismo brasileiro, p 8

 

“Não é de hoje que os chefes de Estado trocam mimos entre si.”

Tiago Rogero

projeto Querino, p 23

 

“A história está no centro de todos os conflitos.”

Ilan Pappe

Dez Mitos sobre Israel, p 11

 

“o judaísmo não se conservou apesar da história, e sim através da história”

Karl Marx 

Marxismo e judaísmo, p 11

 

“Raramente vi um país onde a elite tem tanto desprezo pelos pobres como o Brasil.”

Noam Chonsky

De Marte à favela (Aline Midlej e Eduardo Lyra), p 3

 

“Pobres são aquelas pessoas que precisam de muito pra viver.”

Pepe Mujica

De Marte à favela (Aline Midlej e Eduardo Lyra), p 3

 

“Já vi gente discutindo qual candidato era menos assassino.”

Gregorio Duvivier

Caviar é uma ova, p 5

 

“Santo Antônio fez milagres, arranjou casamentos, participou de batalhas e ainda encontrou Exu nas encruzilhadas.”

Luiz Antônio Simas

Santos de casa, p 5

 

“Os manuais de aborto recomendavam não fazer sozinha, mas eu não tinha ninguém.”

Dahlia de la Cerda

Cadelas de aluguel, p 5

 

“Ele me deu um beijo demorado e senti uma mistura açucarada que me encantou, lábios, cerveja e sua língua macia.”

Dolores Reyes

Cometerra, p 9

 

“Eu não era a pessoa sobre quem a chuva caía: eu era a própria chuva que chorava pela cidade.”

Astrid Roemer 

Sobre a loucura de uma mulher, p 14 

 

“Sacramentos, esse era o seu maior fetiche […]”

Verenilde Pereira

Um rio sem fim, p 8

 

“Não sei se consegui morder o que eu buscava.”

María Negroni

O coração do dano, Advertência

 

“Mulheres morrendo e, no entanto, vivas.”

Cristina Rivera Garza

O invencível verão de Liliana, 6

 

“Apenas em nascimentos e mortes é que saímos do tempo.”

Rosa Montero

A ridícula ideia de nunca mais te ver, p 3

 

“Escrever bem não é sinônimo único e exclusivo de uso da norma-padrão.”

Jana Viscardi 

Escrever sem medo, p 7

 

“Quando menino, achava que o planeta se chamava Terra porque as ruas não tinham asfalto.”

Sérgio Vaz

Flores da Batalha, p 17

 

“Liberdade é ir e saber voltar.”

Sérgio Vaz

Flores da Batalha, p 18