Vem de longe a crueldade de transformar vítimas do sexo feminino em monstros. De tratar violência com mais violência. De desumanizar as vítimas e jogar sobre elas a culpa pela violência que sofreram. Um dos “monstros” mais famosos e temidos da mitologia grega, a górgona Medusa, antes de ser abatida pelo “heróico” Perseu, nunca fez mal a ninguém. Muito pelo contrário, tratava-se de uma jovem sacerdotisa, de beleza singular, que servia à Deusa da sabedoria, Atenas, inclusive seguindo seus preceitos de castidade.
Um belo dia, Poisedon, “deus” dos mares e dos rios, para se vingar de sua sobrinha Atenas, de quem havia perdido uma disputa, resolve estuprar a jovem sacerdotisa. Por mais que Medusa tenha tentado fugir dele, acabou sendo subjugada por sua força _ afinal, ele era um “deus” _, e abusada sexualmente, no Templo de Atenas. A “deusa”, chateada, por terem violado seu templo, se vinga não do responsável pela violação, mas da vítima, transformando seus cabelos em cobras e seus olhos em armas petrificantes.
Ou seja, Medusa primeiro é violentada por um “deus” masculino e depois punida, por ter sido violentada, por uma “deusa” feminina. Nada muito diferente do que a gente vê acontecer em nossa sociedade atualmente. Quando meninas, jovens e mulheres são agredidas sexualmente e acusadas de terem seduzidos seus algozes. De vítimas a monstros. Histórias que nos são contadas em uma sociedade patriarcal, tanto quanto a da Medusa, por quem tem o domínio da narrativa: os homens. Endossados por mulheres machistas. O que é ainda mais triste…
Poucos de nós, ouviram a versão desta história mitológica com a nuance do estupro. A maioria, só ouviu o recorte do mito que fala de Medusa como um monstro. Está mais do que na hora de desconstruir estes arquétipos. De buscar a voz calada por estas narrativas: a feminina. E é exatamente isso que a escritora inglesa Natalie Haynes, especialista em literatura clássica, vem fazendo. Em seu livro “Olhar Petrificante”, ela nos conta a história de Medusa, não a história que os homens nos contaram até agora, mas essa outra, que desenterra a vítima soterrada na monstruosidade de seus violadores.
Obra que merece ser lida. Foi o que fizemos, e trouxemos algumas frases dela para vocês. Que tal aproveitar esse Dia Internacional da Mulher para conferir?
“[…] os homens são tolos. Eles não conseguem entender nenhuma beleza além da que podem ver.”
Natalie Haynes
Olhar petrificante – A história da Medusa, p 291
“[…] o herói não é gentil, corajoso ou leal. Às vezes — nem sempre, mas às vezes —, ele é monstruoso.”
Natalie Haynes
Olhar petrificante – A história da Medusa, p 14
“Talvez desenvolver seu autocontrole em vez de seu vocabulário.”
Natalie Haynes
Olhar petrificante – A história da Medusa, p 177
“Vingativa e cruel, sempre culpando as mulheres pelo que os homens fazem com elas.”
Natalie Haynes
Olhar petrificante – A história da Medusa, p 129
“Por que alguém amaria um monstro? — perguntou Perseu. — Quem é você para decidir quem é digno de amor? — falou Hermes.”
Natalie Haynes
Olhar petrificante – A história da Medusa, p 235
“Ela já sabia o que tinha que fazer para acabar com a dor. Aguentar outra dor.”
Natalie Haynes
Olhar petrificante – A história da Medusa, p 19
“É o monstro? Quem é ela? Ela é o que acontece quando alguém não pode ser salvo.”
Natalie Haynes
Olhar petrificante – A história da Medusa, p 14
“Era impossível que os deuses olhassem para os mortais e não sentissem certa repulsa”
Natalie Haynes
Olhar petrificante – A história da Medusa, p 15
“[…] somos uma, mas somos muitas.”
Natalie Haynes
Olhar petrificante – A história da Medusa, p 28
“Isso, ela sabia, era amor. E sentia mesmo sem querer.”
Natalie Haynes
Olhar petrificante – A história da Medusa, p 36
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